Microconto #39

Calmamente, o escrivão redigia o obituário de mais uma desconhecida. No documento constavam estupro e fraturas múltiplas como causas da morte, mas ele já tinha escrito coisa pior.

Microconto #38

Gritos e gemidos atordoavam o sono dos moradores do condomínio. Mas ninguém nunca reclamou, é só mais um marido que bate na mulher.

Microconto #37

O vai-e-vem do nosso amor sempre acaba no vai-e-vem dos nossos corpos.

Microconto #36

Ele disse que morreria por sua mulher. Mas nunca imaginou que fosse cumprir sua promessa tão cedo.

Microconto #35

Para o casal apaixonado, que se beijava no meio da rua, o tempo parou. Para o motorista de ônibus, não.

Casamento #2

Enquanto ela pensava em mil planos para levar uma vida de contos de fadas, ele não conseguia parar de pensar em como ela era tão parecida com a mãe.

Casamento #1

Ela não pensou duas vezes antes de dizer o sim. Ele sim.

Microconto #34

As piscadelas ritmadas não eram flerte, como pensou o pedreiro, mas sim resultado das múltiplas aplicações de Botox da velha madame.

Microconto #33

Os pneus desgastados da bicicleta indicavam a longa busca à procura de si mesmo.

Delírios #13

O sujeito que mente faz seu próprio predicado.

Delírios #12

O bom de namorar modelo é que sobra mais tempo para depois do jantar.

Microconto #32

Nem as pesquisas, tampouco os artigos científicos sobre a necessidade humana de mentir, serviram de argumento para ele se safar da mulher por ter mentido que estava em reunião e não no bar, bebendo com os amigos.

Microconto #31

O sossego que teve em vida não foi repetido após a morte. Enterraram o coitado ao lado da sogra que escapou de conhecer quando estava vivo.

Quando ela vem

Sempre quando ela vem, detecto os mesmos sintomas: o coração acelera, a mão sua frio, as pernas chegam a bambear. É um sentimento estranho. Muitas coisas passam pela cabeça. Onde vai ser? Será que eu consigo segurar tempo suficiente?
Ela aparece de tempos em tempos, sem aviso, sem explicação. Seu nome?
Diarreia.

Novo

O grande companheiro do novo é o frio na barriga. O dia que a angústia estomacal some sem dar notícias, você percebe que o novo não é mais tão novo assim.

Microconto #30

No dia das mães, quem ganhou presente foi o filho. Uma quentinha entregue pessoalmente na cela da cadeia.

Palavrão

- Mete, filho da puta!

Me desculpem, caros leitores, mas foram exatamente estas as palavras pronunciadas pela anjinha loura em minha cama.

Sem dúvida fiquei tão chocado quanto vocês. Jamais imaginei ouvir tamanha grosseria daqueles lábios vermelhos e delicados da minha menina. Em quase dois anos de namoro a atitude mais animal que ela havia tido comigo fora uma mordida no pescoço, e olhe lá.

Hesitei por um instante, tentando imaginar o porquê de tudo aquilo. Talvez fosse uma daquelas vontades reprimidas que explodem como um vulcão após centenas de anos calado, ou quem sabe foi o efeito do guaraná ralado do meu avô, que juram ser afrodisíaco. Não sei.

Com tantos pensamentos na cabeça, eu tinha que dizer alguma coisa, e também, eu não podia ficar ali parado. Respondi com a mesma delicadeza do pedido da minha musa:

- Toma, sua vadia!

Microconto #29

Ele gostava dela. Muito. Pena que era fútil demais para entender que o amor é muito mais do que qualquer estrabismo convergente.

Delírios #12

O orgulho inibe tudo o que é verdadeiro.

Microconto #28

Ela se chamava Jhenniffer, com dois enes e dois efes. Não era travesti nem prostituta, mas mesmo assim adorava o seu nome.

Delírios #11

O pensador nada mais é do que um escritor sem papel.

Microconto #27

Ela se surpreendeu quando o seu amor pelo marido continuou mesmo após a falência.

Brigadeiro

Ninguém entendia como a Nanda continuava namorando o Augustinho. Logo a Nanda, uma mulher divertida, inteligente e de sobrancelhas tão perfeitas. Ai, aquelas sobrancelhas. Perfeitas para cinema mudo. Finas e delineadas, valorizavam cada expressão da bela.

E logo o Augustinho. Sujeito magro, de bigode farto – quase tão cinematográfico quanto a sobrancelha da Nanda – que, aliás, lhe enfeitava a cara desde a faculdade, quando chegou a ser apelidado de Zapata pelos amigos da época. E ainda por cima era do tipo canastrão, malandro da Lapa. Sempre com jeitinho, com “calma que eu resolvo” e piscadinhas para toda mulata de calça jeans. E quando era jeans branco ele até assobiava.

O fato é que mesmo sabendo e admitindo os defeitos do Augustinho, a Nanda não largava o malandro de jeito nenhum. Contrariando os pitacos dos amigos:
- Larga esse homem, Nanda. Ele não serve pra você. Você é uma mulher de futuro. E o Augustinho...o Augustinho é o Augustinho, oras. Dizia a Marininha, sua melhor Amiga.

Um dia, sua irmã mais velha, Sandra, cansada da situação e do falatório dos amigos resolveu tirar a história a limpo.
- O Augustinho, Nanda. Quando vai dar o pé na bunda dele?
- Pé na bunda, por quê?
- Como assim por quê!? Ele não vale nada. Você conseguiria coisa muito melhor que ele por aí, qualquer uma conseguiria.
- Não é bem assim, Sandra.
- Então fala a verdade, o que é que ele tem que ninguém sabe? Ele deve ser um terror na cama, só pode.
- Quase isso. Na cozinha.
- O quê? Como assim!?
- É o brigadeiro, Sandra. O brigadeiro do Augustinho.
- Que brigadeiro, mulher!?
- Todos os sábados, ele faz uma receita especial de brigadeiro que simplesmente me deixa maluca. Sempre fui alucinada por doces, e o brigadeiro do Augustinho, ai meu Deus, só de pensar já fico toda molhada.
- Ah, não. Essa foi demais, pra mim chega.
- Espera! É serio. Não sei o que ele põe no brigadeiro, nunca deixou eu chegar na cozinha, mas sempre na segunda ou terceira colherada eu tenho orgasmos múltiplos, assim, do nada. Orgasmos que eu nunca tive com nenhum homem.
- Nem com o Paulão!?
- Nem com o Paulão.

As duas ficaram pensativas por alguns segundos. Nanda lembrando o gosto do brigadeiro, e Sandra imaginando o Paulão.

O silêncio cessou quando Nanda continuou:
- Agora se coloque na minha situação. Não preciso ficar com o namorado no pé a semana toda. Ele é divertido, ninguém pode negar, e ainda me dá orgasmos múltiplos todo final de semana. Por que eu mudaria de vida?
- É, pensando bem, o Augustinho é um partidão.
- Sabia que você ia me entender, irmã.
- Mas deixa eu te perguntar...
- Diga.
- Sobrou um pouco do brigadeiro de ontem?

Microconto #26

De um lado, o desejo intenso, do outro, o sono profundo. Quando um não quer dois não brigam, não é mesmo?

Microconto #25

O gosto da derrota foi tão doce quanto o cheque que recebeu após a luta.

Microconto #24

Ele sempre foi a favor dos direitos iguais entre homens e mulheres. Afinal, é ela quem paga as contas há mais de 30 anos.